Os Reis do “Quase Lá”

Há quem nasça para vencer, há quem se habitue a perder, e há os verdadeiros aristocratas da nossa era: os Reis do “Quase Lá”. Essa nobre linhagem de pessoas, clubes e até nações que tocam o sucesso com a ponta dos dedos, mas acabam invariavelmente a escorregar na última curva.
Esta semana, a corte ficou particularmente concorrida. O Benfica, por exemplo, não empatou por um golo, mas teve ainda o requinte de oferecer ao Chelsea um auto-golo digno de postal de agradecimento. Já o Sporting, em Nápoles, também não resistiu ao charme do quase: um golo de diferença a separar o orgulho da festa. O futebol português parece ter assinado contrato vitalício com o departamento de frustrações mínimas.
No plano internacional, até a política global imitou o futebol. Uma flotilha humanitária não conseguiu chegar a Gaza por escassos quilómetros. Não é só o golo que nos falta: é o porto, a meta, o destino. O mundo, afinal, também é especialista no quase.
Mas a galeria dos “quase” não fica por aqui. Quem nunca conheceu alguém que não ganhou o Euromilhões por um número? Ou, melhor ainda, aquele infeliz que preencheu dois boletins diferentes para a Liga dos Campeões e, em ambos, ficou a um golo de transformar moedas de café em notas de cento e cinquenta? Para alguns, o azar tem um humor particularmente refinado.
Na política caseira, o “quase lá” é praticamente moeda corrente. Veja-se a candidatura de Alexandra Leitão à Câmara de Lisboa, que poderá vir a ser estudada como caso exemplar de vitória moral. E não esqueçamos Carlos Moedas, que em tempos poderá também quase não ficar. Lisboa conhece bem este fado da meia-vitória.
E se olharmos para o país no seu todo, o retrato é o mesmo. O TGV já partiu em estudos e maquetes, mas nunca da gare. O novo aeroporto de Lisboa já aterrou em mais localizações do que aviões numa pista: Ota, Alcochete, Montijo — todos “quase lá”, à espera do dia em que o país decida levantar voo.
Mesmo em Paris 2024, a maior montra do desporto mundial, o fado repetiu-se. Tivemos a melhor prestação de sempre, mas com muitos capítulos de “quase”. Pedro Pichardo, campeão em Tóquio, trouxe prata no triplo salto — esteve perto, mas não repetiu o ouro. Iúri Leitão, herói das pistas, colecionou ouro e prata, mas ainda suspirou pelo pleno. E depois houve os diplomas, essa invenção que Portugal adotou com carinho: 4.º, 5.º, 6.º lugares, de atletas como Auriol Dongmo ou Patrícia Mamona, sempre à porta da glória, sempre tão perto que até dói. No fundo, uma prova olímpica extra, exclusiva para nós: a disciplina do “foi por pouco”.
O problema — ou a virtude — é que transformamos o quase em narrativa épica. Fazemos do azar arte e da frustração identidade nacional. Outros celebram vitórias, nós contamos derrotas com brilho nos olhos, como se fossem troféus. Talvez seja esse o nosso verdadeiro talento: pegar no golo falhado, no número errado, no quilómetro que faltou, e transformá-los em lenda.
Porque, no fundo, a vida portuguesa não é chegar. É estar eternamente “quase lá”.
observador